quarta-feira, 12 de julho de 2006

"Lucros de papel"

Embora ficando a cogitar nos ganhos, talvez ao povo não interesse saber quanto nem como se calcula - apenas interessa perceber se é demais ou não!
Como estas novas do Jornal de Negócios continuam a cativar a minha atenção!?
Mais uma tirada de lá:
Sérgio Figueiredo
"Lucros de papel
sf@mediafin.pt

Os lucros da banca são, depois do futebol, dos temas em que qualquer português consegue ter uma opinião. E é uma opinião mesmo, porque ela é praticamente unânime: são obscenos, os resultados que os bancos apresentam constituem uma verdadeira roubalheira institucionalmente consagrada.
Como é possível, numa economia virtualmente estagnada, com sectores produtivos em depressão profunda, com falências e desemprego, ver ao mesmo tempo um sistema financeiro a respirar saúde com um crescimento de lucros da ordem dos 70%?! Não, de facto, não é possível.
Não é por ser inaceitável. É por não existirem. Pode perfeitamente continuar a indignar-se contra os lucros da banca, mas é bom que saiba que eles não cresceram 70%, como a maioria estupidamente divulgou, mas 29% como o Banco de Portugal já tinha anunciado no Relatório de Estabilidade Financeira de 2005 e a APB vem agora confirmar.
Pois é, antes de questionar sobre o «segredo» que explica aquela enorme diferença, haverá muito boa gente que continua a pensar que 30% ainda é uma taxa suficientemente grande para criar perplexidades. E, ainda assim, perguntar «onde está, afinal, a economia que alimenta tanta prosperidade neste sector e não nos outros?».
A pergunta é razoável, mas a resposta não deixa ninguém sossegado. Ela já foi dada há dois meses pelo governador Vítor Constâncio no Parlamento: se retirar os resultados obtidos pelos nossos bancos no exterior, isto é, tomando apenas em consideração a actividade doméstica da banca, os lucros de 2005 já não crescem à taxa de 71%, sequer de 29%, mas de 8,6%.
É um número que começa a aproximar-se da realidade que conhecemos. Nenhum banqueiro será insultado por apresentar aumentos destes, digamos «normais», dos seus lucros. Mas há uns quantos que, omitindo deliberadamente as mudanças profundas das regras contabilísticas provocadas pelo IAS, andaram a divulgar resultados obscenos. Não por serem demasiado altos, mas por serem virtuais.
As honrosas excepções devem servir de exemplo e, por isso, é de realçar que o Santander Totta e a CGD foram as únicas das grandes instituições que apresentaram resultados numa base comparável. Todos os outros, para impressionar jornalistas e investidores incautos, exibiram lucros de papel e deram um grandessíssimo tiro no pé.
Por três ordens de razão: lançaram combustível para os fóruns populares onde já são insultados; deixaram a opinião pública mais indisposta para aumentos futuros de taxas e comissões; e terão agora dificuldades em explicar os resultados de 2006.
A populaça trata os banqueiros como salteadores do regime. Os mais informados já tinham razões para confrontar o seu banco «se lucras tanto, porque tenho eu de pagar mais». Depois, há um terceiro grupo de pessoas, que sabe que:
a) as bolsas estão a produzir um efeito-IAS ao contrário;b) o crédito dificilmente continuará expandir-se ao ritmo de 10%;c) o rácio de eficiência tem um impacto cada vez mais reduzido;d) a subida dos juros tende a melhorar as margens financeiras, mas também, com desemprego em alta, provoca mais crédito malparado.
E não ficarão admirados se, pela primeira vez em muitos anos, a maioria dos bancos divulgar resultados que não crescem, nem muito, nem pouco, mas que caem em 2006. Problema deles? Não. Problema nosso.
O nosso modo de vida é um edifício que assenta em dívida. A maioria é financiada no exterior. Da qual 60% é assumida pela banca. Os bancos são, portanto, os intermediários entre o que gastamos e aqueles que nos emprestam.
Se a banca é rentável e isso o deixa irritado, se pensa que a crise do país já é grave, nem queira saber o que sentirá no dia em que, do exterior, desconfiarem da solidez do sistema financeiro nacional."

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