terça-feira, 15 de agosto de 2006

"Harakiri global"

E por que é que a Economia Política, que não trata necessariamente, apenas, de questões de política económica, é uma ciência por muitos amaldiçoada!

Ainda em férias, à espera de lhes apanhar o gosto, revejo as minhas notas do "Prelo", e 'desenterrei' mais este artigo de opinião, deste rapaz que, um dia, ainda se vê agregado nas adjuntices hipócritas, se não conseguir manter-se leal às suas próprias e muito convenients críticas sociais, muito para além do seu peso especificamente economista.
Lembro-me de que nem tudo o que releva nas Economias tem de circunscrever-se às contabilidades ou disciplinas de cálculo económico e/ou financeiro, tal como as domestic politics não se determinam exclusivamente pelos parâmetros das respectivas Contabilidades Públicas. Se não, vejamos esta pequena 'lição' que o autor nos transmite relativamente ao evoluir da economia mundial, na actualidade. Sem ironias. Mas reportando-se a n hipocrisias!
"Harakiri global
Sérgio Figueiredo
sf@mediafin.pt

Estavamos entretidos com as crises caseiras, a política e a económica, que nem demos por isso: mas a economia do mundo vive há quatro anos de ventos favoráveis.
Tão favoráveis que é preciso recuar ao início da década de 70 para encontrar outro período igual. Em crescimento económico. Em crescimento do comércio (preços e volumes). E também em liquidez disponível.
Nestes quatro anos domina ainda a reflexão sobre causas e motivos que levaram Portugal, ao contrário de outros países, a desperdiçar um contexto internacional tão impressionante. Não é o que se propõe hoje.
Em tempo de férias não é tempo de insistir nas conhecidas vulnerabilidades. Nem para perturbar o sossego de quem está ou se prepara para o merecido descanso. A ideia é, portanto, ignorar as desgraças nacionais. Falemos das alheias.
Para tentar perceber como é que o mundo, os líderes deste mundo que avança em grande velocidade, puxado por novas e impensáveis locomotivas, decidem saltar dos carris e comprometer uma das origens deste sucesso global recente.

Não bastava o petróleo a caminho dos 100 dólares? A consequente pressão sobre os preços? E o necessário aperto da política monetária, desencadeado pelos principais bancos centrais? Como é possível desfazer anos e anos de negociações e, num ápice, implodir o sistema de comércio internacional mais livre?
O comércio livre é uma base sólida da globalização. A globalização transformou-se no grande palco das ideologias do século XXI. Até das mais idiotas, que são, simultaneamente à esquerda e à direita, as dominantes. Ideologia com idiotice gera hipocrisia.
Seria idiota pensar que foi a ideologia que tornou os Estados Unidos incapazes de cortar os subsídios públicos aos agricultores. E não são idiotas os outros cinco protagonistas da Organização Mundial do Comércio (União Europeia, Japão, Austrália, Brasil e Índia), que iniciaram uma maratona de 14 horas, até à madrugada de ontem, para se autodeclararem um fracasso.
Hipocrisia global. Num triunfo de burocratas. É esta a causa e a conclusão do fim de Doha. Assim decretado pelo britânico Peter Mandelson: «Perdemos a última saída da estrada.» Onde entraram há cinco anos.
Cálculos do Banco Mundial apontam um «custo» para o insucesso de Doha: 227 mil milhões de euros. Era a impressionante soma de ganhos com o aprofundamento da liberalização da agricultura, da indústria e dos serviços. São cenários, valem o que valem.
Embora não restem dúvidas quanto ao impacto extraordinário que foi produzido pelo dinamismo comercial em grandes economias (e não é só a China...). E de outros países que antes, em contextos de maior proteccionismo, revelavam uma fraca capacidade de reter os benefícios gerados em fases de prosperidade.
A abertura favorece os sectores exportadores e respectivos empresários e trabalhadores. E o obsoleto método negocial da OMC só está concentrado nos «custos» que a abertura de fronteiras traz, evidentemente, aos sectores importadores. Agricultura e têxtil celebram o fim de Doha. Aqui, no resto da Europa, nos EUA. São eles os vencedores de um mundo fechado ao comércio livre.
É o mundo em que perdem os exportadores, ou seja, os mais dinâmicos, aqueles que puxam pela produtividade, pelos salários e pelo crescimento da economia. O mesmo mundo que penaliza os consumidores, impedidos de aceder a bens importados e mais baratos – a maioria dos «ganhos» de 227 mil milhões foi calculada pela queda de preços de bens agrícolas e de vestuário.
O brasileiro Celso Amorim é menos fleumático e pouco exagerado. Saiu da reunião recusando-se a classificar o momento de desastroso: «Mas esta situação é a mais próxima que podemos ter do desastre.» Problema deles?..."

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