Entre tempestades e alguma bonança
Eu sou. Tu também? ...Todos quantos somos?
Vejo que meu mui citado mestre JAM anda a fazer ver, com bastante razão para isso, que a essência dos problemas de que hoje o país padece não é nova nem tão pouco estranha à nossa tal desdita, qual sina que muitos fados têm na pena do seu canto. Fê-lo, ultimamente, quando citou Ramalho Ortigão (sobre os moços bacharéis), quando evocou "A Queda de um Anjo", em que Camilo satiriza a classe política de há cento e vinte e um anos, ou quando relacionou os factos do poder vigente, já excessivamente media-televisionados, com as sócio-políticas equivalências do que no nosso século XIX ficou historiado. Como ele muito bem é capaz de fazer!
Mas eu não vou recuar tanto no tempo, ao fazer outras tantas referências do que, bibliograficamente, pode servir de leitura aos que pretendem traduzir, não 'em calão', a imagem real do príncipe. Apenas digo que, ao jeito do que já muitos filósofos o fizeram, estes epifenómenos do Poder não têm, na sua essência, nada de novo: são roupagens novas de soluções, muitas, já muito antigas, para problemas quase eternos!
Assim, lembro-me do trabalho publicado pelo meu conterrâneo e companheiro de mestrado em Ciência Política no ISCSP, Artur da Rocha Machado, Poder - Da Estrutura Individual à Construção Mediática (da Autonomia 27): " Tem-se vindo a defender a tese de que o Poder é, por um lado, um produto do próprio homem e que, por outro lado está nele incorporado, correspondendo a um dos seus desejos mais fortes. Se, de facto, a manifestação individual e objectiva dessa característica difere de homem para homem, nem por isso deixa de representar uma mesma intencionalidade. É certo que o amor ao poder pode apresentar diferentes graus de intensidade, o que indica nuns uma propensão para a liderança e noutros, a tendência para a submissão. O primeiro caso caracterizará os indivíduos dotados de autoconfiança, firmeza, convicção e ambição; no segundo caso, tal comportamento indicará uma estratégia adoptada por aqueles que, reconhecendo a sua incapacidade de afirmação, projectam nos outros a quem se submetem a sua própria incapacidade, na suposição que beneficiarão de protecção, de apoio e de que partilharão do poder que for por eles alcançado" (1). E sobre o que este trecho traduz, deixo à leitura e interpretação de cada um!
Lembro-me ainda, numa das pequenas grandes obras que li enquanto estudante de mestrado (2), do texto de Paul Veyne O Indivíduo Atingido No Coração Pelo Poder Público, e que muito traduz da tal imagem que o cidadão tem do Poder, ou do príncipe, de quem o governa, do tal outro que lá está como se fosse o que eu gostaria de ser se lá estivesse, ...! "(...) O que gostaríamos de tentar dizer aqui é que a importância do mecanismo da subjectividade não é menor no domínio político propriamente dito. Vejamos um exemplo da história romana, neste caso Nero. Trata-se de saber porque é que os romanos, ou certos círculos de Roma, derrubaram Nero quando a sua vida privada, que era a principal razão de queixa que contra ele existia, não afectava fosse de que maneira fosse a marcha dos negócios, os interesses económicos, sociais ou internacionais, que permaneciam como sempre ou até evoluíam melhor do que noutras épocas.
Ou, usando outras palavras, esta exposição surgiu de uma perplexidade, a de ouvir alguém dizer-me: «Voto em de Gaulle por causa da dignidade da sua vida privada». constatamos que a imagem de si dos sujeitos do soberano é provavelmente a chave daquilo que se designa por imagem de marca do próprio soberano, carisma, política-espectáculo, imagem do pai, ideologia ou legitimação. Na minha aldeia, que foi sensibilizada no princípio deste século pela luta contra o que se sentia como a autoridade clerical, os votos socialistas devem-se menos ao conteúdo da política socialista do que a uma hostilidade contra o estilo de autoridade gaulista."
Enfim, neste contexto, espero que entretenham com mais esta evocação dos anos 1970, com os Crosby, Stills and Nash.
(1) Ob. cit., pág. 37.
(2) P. Veyne, VVAA, Indivíduo e Poder, edições 70, 1988, pp.10-11.
Sem comentários:
Enviar um comentário