Eu diria 'répétition', ou o "mito do eterno retorno"!
É o que melhor me vem à ideia, para tentar retratar os episódios com que a mediocracia tenta festejar, com fogo de hipocrisia, o desfecho algo insólito (?) ou inesperado (?) deste televisionado concurso dos "Grandes Portugueses", de onde saiu eleito (qual acto eleitoral) o antigo Presidente do Conselho de Ministros António de Oliveira Salazar. Mesmo com uma aproximação mais realista dos apontamentos de meu antigo colega AC Pinto, neste artigo do JN (ver link acima).
Para mim, que escolheria o Infante da Escola de Sagres (...), trata-se de uma repetição (do francês 'répétition', acto de redizer, de reiterar, de reflectir os sons, a luz; ensaio, prática repetitiva), termo cujos significados me reportam para os mitos do retorno, cujas manifestações a que assistimos não possam ser mais que esse 'ensaio' geral (colectivo, social) de mais um mítico retorno do tão desejado messias! Tal é a situação social do país, independentemente da formação político-partidária que o governe! É um problema (e este foi o sintoma declarado, já não omitido) de rejeição do sistema!
Vejo que não me engano ao ler algumas na imprensa de ontem, tão fugazes que nem dá para acreditar em tamanha 'amarelice' medriqueira, como autênticos píncaros de hipocrisia envernizada pelo público statu dos emplastros mediocratas: desde os justificadores da História, até aos economistas 'de bancada', que nem José Hermano Saraiva escapou, ao tecer conclusões tão contraditórias como as que sintetizou, como outros, do tipo 'é o reflexo do desconhecimento da nossa História', mas ... consequência do facto de Salazar 'ter sido o único estadista a morrer pobre ..., que soube evitar uma grande guerra, ...' (veja-se o JN de ontem, 26 de Março de 2007).
Prefiro continuar a seguir Mircea Eliade, no seu Mito do Eterno Retorno, quando refere a recusa que as sociedades tradicionais "fazem do tempo histórico e pela nostalgia que elas sentem do tempo mítico das origens", pois, como refere o autor desta distinta obra, "... ao estudarmos essas sociedades tradicionais, surpreendeu-nos sobre tudo um aspecto: a sua revolta contra o tempo concreto, histórico, a sua nostalgia de um regresso periódico ao tempo mítico das origens, à Idade do Ouro. Só descobrimos o significado e a função daquilo a que chamamos «arquétipos e repetição» quando compreendemos a vontade que essas sociedades tinham de recusar o tempo concreto e a sua hostilidade em relação a qualquer tentativa de «história» autónoma, isto é, de história sem regulação arquetípica".
Mas já se vêem alguns a proclamar a falta de educação, do ensino da História em Portugal! Que os portugueses não têm sensibilidade histórica, veja-se, que é apenas o fruto da possível memória recente (ainda que daqui algo se aceite). Mas também não creio que esse seja argumento que colha cabimento na necessária interpretação, explícita e intelectualmente, honesta, que um julgamento imparcial deste evento merece (mesmo não recorrendo a vícios do cientismo): "... Esta recusa não é simplesmente o efeito das tendências conservadoras das sociedades primitivas ... dever-se-á ver nesta depreciação da história, ou seja, dos acontecimentos sem modelo trans-histórico ... uma certa valorização metafísica da existência humana. Mas esta valorização não é, de modo nenhum, a mesma que certas correntes filosóficas pós-hegelianas tentam dar, nomeadamente o marxismo, o historicismo e o existencialismo, depois da descoberta do «homem histórico», do homem que existe na medida em que se faz a si próprio no seio da história." 1
(1) ELIADE, Mircea, O Mito do Eterno Retorno, Introdução, Edições 70, Lisboa, 1984, pp. 11 e 12.
Sem comentários:
Enviar um comentário