quinta-feira, 20 de setembro de 2007

O Estado é um inferno dos outros que nos pode queimar

Depois de, ontem à noite, ter dado uma aula introdutória em que falei da coisa política aos meus alunos (todos eles já adultos, do ensino recorrente nocturno), onde também lhes expliquei as eventuais causas de, nos nossos dias de preferível teledemocracia, já não haver Introdução à Política para este grupo de interessados, dou de caras com mais este postal do meu mestre JAM, onde também explica que:
(...) "É assim o homem comum dos tempos de decadência. Fecha-se sobre si mesmo, faz cálculo utilitário e procura o máximo de prazer com um mínimo de dor. Diz que a política é para os políticos, descrevendo-a como uma guerrazinha dos homenzinhos que andam lá pelas alturas. E assume o abstencionismo activo. O problema é deles, dos que brincam ao chicote acenourado, porque "L'État c'est lui". O Estado é um inferno dos outros que nos pode queimar." (...)

Esperando fazer com que os meus alunos com acesso à Net possam ganhar interesse por estes postais, espero que venham a compreender melhor, com a ajuda do mestre, o que este "inconveniente" Professor lhes anda a ensinar.

Tenho dito.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Apocalyptalismo

"Contra o fascismo e a guerra colonial! Abaixo o capitalismo!"
Vi, de uma assentada, o "Apocalypto" de Mel Gibson! Aquilo é mesmo selvagem, selvático e impróprio para a consciência civilizacional das mentes 'modernas', acomodadas ao fast food e ao pronto a consummir, por todo o lado (aliás nada de novo, Deus é o primeiro acto natural de globalização, pois "está em todo o lado e é imenso"!...).
No mesmo dia recebo mais um mail deste Pedrito do J Negócios, sobre a que obriga, politicamente, a ambição da já bolorenta selvajaria capitaleira, agora com sede in em Bruxelas, mais global que o aquecimento da Terra.
E eu que, noutros tempos que muitos ainda lembram, também gritei "abaixo o capitalismo", ainda não fazia ideia da massissa ingenuidade e, por isso talvez, também, da grande injustiça histórica que representava a contestação, se a tivermos em linha de comparação com o nosso comodismo e, até, com a nossa cobardia de hoje, perante os tais factos da ganância a que se reporta mais uma das tiradas deste "menino" terrível do JN:

"
O pesadelo Trichet
Pedro Santos Guerreiro

Não é apenas o Zeca e o Cajó que aprenderam quem é o senhor Trichet. Os operários da Sociedade Anónima que todos os dias visitamos na página 2 do Jornal de Negócios comentam assiduamente o que faz o presidente do Banco Central Europeu, falam sobre Euribor, “spreads” e volatilidade porque lhes toca no bolso.

Como eles próprios diziam há uns meses, os seus pesadelos já são povoados com lobos, são assombrados pelo senhor Trichet. O tal que com aquele ar de menino rabino manda na política monetária e cambial da Europa; que decide se as taxas de juro sobem ou descem. Há dois que sobem.

Os primeiros-ministros gostam do BCE para terem um bode expiatório quanto aos juros. Sobem? A culpa é de Trichet... Mas não gostam de não mandar na política monetária e cambial; de termos um euro tão forte que prejudique as empresas europeias nas exportações, ante uma economia americana montada num dólar competitivamente desvalorizado.

A ameaça de rebelião veio da França: primeiro a candidata Ségolène, agora o primeiro-ministro Sarkozy contestam a independência sem escrutínio do BCE. Numa carta ao Governo português, Trichet responde ao 8 com o 80: o BCE é tão independente que quer excluir-se da lista de instituições europeias, profilacticamente, para não correr sequer o risco de vir a ter tutela do Conselho Europeu.

Este mesmo presidente que dá gritos do Ipiranga decidiu ontem obrigar o Tozé, o Joca e todos os que têm créditos à habitação a aprender mais palavras. Como “injecção de liquidez” ou “subprime”. E assim Trichet mexeu-lhe no bolso e na Bolsa.

Está tudo explicado a páginas 16 e 17 da edição de hoje do Jornal de Negócios. Em três penadas: nos EUA, o mercado de crédito à habitação de maior risco de incumprimento (o “subprime”) está a colapsar, com muitos devedores a deixarem de pagar prestações; no sofisticado mercado americano, muitos bancos vendem esses créditos de alto risco a outras instituições e fundos (em titularizações); os fundos que investiram nessas dívidas estão a cair ou mesmo a falir; os riscos estavam portanto a ser mal medidos e os juros aumentaram; pela primeira vez em muitos anos, começou a faltar dinheiro (liquidez) para operações. O que fez ontem o BCE? Deitou um balde de água em todo este calor, garantindo a qualquer banco financiamento (injectou liquidez, acalmou mercados).

Os optimistas dizem que isto é um processo de ajustamento normal. As economias estão saudáveis e as empresas sólidas. Os pessimistas olham para o mercado de crédito à habitação americano e receiam queda parecida na Europa. Não é possível, porque o conceito de “subprime” só existe nos EUA e Reino Unido. E o malparado na Europa está relativamente baixo. Ainda.

Em Portugal, esse nível é baixo mas crescente. Os aflitos amontoam-se às portas da Deco, que não pode senão recomendar a renegociação de contratos, para baixar “spread”, o que é ajuizado, e alargar prazos, o que é uma ilusão: quanto mais tempo se deve, menos capital se amortiza ao mês, maior volume de juros se paga.

O Zeca e o Cajó não gostam do senhor Trichet. Mas por mais repelente que isto lhes soe, o senhor gosta deles. E dos filhos deles.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

O ministro à prova de leitores

Já agora, mais uma do Pedrito ...

Mas não sem antes recomendar este comentário às declarações referidas pelo Sr. Ministro em causa ...!


Ou então ... esta entrevista!

Pedro S. Guerreiro

"Augusto Santos Silva não teve coragem de fazer ontem a Viviane Reding aquilo que fez há uma semana e meia a Pinto Balsemão: ambos discordaram da intervenção do poder legislativo em matérias editoriais, mas enquanto aos alertas da comissária o ministro pediu palavra para responder; às críticas do patrão da Impresa chamou de falta de educação e mudou de assunto.
Chamar mal-educado a quem o critica é aliás um acto que define um ministro.


São três os diplomas que levaram Pinto Balsemão a acusar o Governo de “cerco” à liberdade de imprensa: lei da televisão, estatuto do jornalista e lei da concentração. Todos têm coisas más e boas. As boas não podem existir para compensar as más.


A lei da concentração limita as aquisições na comunicação social a partir de uma determinada quota de mercado, por, segundo o Governo, isso pôr em causa o pluralismo da informação. A Renascença, que tem a maior quota nas rádios, acusa o Governo de travar o crescimento dos grupos. Balsemão adita que as empresas portuguesas competem com grupos internacionais e não podem ser encolhidas na sua geografia. Ontem, a comissária pôs em causa a lógica matemática do Governo, dizendo que não há critérios para aferir a relação entre concentração e pluralismo. E, na sua opinião, uma coisa não anula a outra.


A lei da Televisão defende um inenarrável conceito de médias ponderadas, tendo as estações a obrigatoriedade de transmitir informação política proporcional à representatividade dos partidos. Aplicando esta lógica à imprensa económica, suponho que o Jornal de Negócios terá um dia que dar 15% do seu espaço noticioso ao BCP e 0,3% à Soares da Costa – os pesos destas empresas no índice bolsista PSI-20. Se isto não é interferência na linha editorial, não sei o que seja.


Já o estatuto do jornalista está aprovado no Parlamento e espera promulgação do Presidente da República, a quem centenas de jornalistas pedem veto, em abaixo-assinado (é aliás uma suprema ironia do destino, ver jornalistas pedir salvação a Cavaco). Os jornalistas devem falar pouco de si mesmos. E o ataque ao quadro normativo que os rege será sempre interpretável como corporativismo. Mas este estatuto é mau de mais para ser aceite. Tem medidas saloias e incompreensíveis, como a exigência de formação superior aos jornalistas. E é absolutamente anacrónico ao posicionar a questão dos direitos de autor nas diversas plataformas em que o trabalho do jornalista é difundido. Só quem não faz ideia de como funciona hoje uma redacção é que diz que isso é defender o jornalista. Convido o ministro Santos Silva a visitar a redacção do Jornal de Negócios, onde dezenas de jornalistas produzem todos os dias informação para um jornal, para Internet, para a TV, em vídeos, para a rádio, para telemóveis. Todos são autores, todos têm os direitos em dia.


Augusto Santos Silva não é cobarde – mesmo não gostando de ser criticado, tem dado a cara sempre que o invocam ou às suas leis. Mas tem uma visão retrógrada e conspirativa dos jornais. Suponho mesmo que não gosta dos jornalistas portugueses. O inverso também será verdadeiro: muitos jornalistas portugueses devem ter vergonha de ter este ministro.


Mais surpreendente que a ignorância e o impulso de domesticar jornalistas, o que constrange é a absoluta descrença na auto-regulação e na irrelevância dos leitores, telespectadores e ouvintes. Mas eis uma notícia: eles são infalíveis na avaliação dos media. São o nosso melhor regulador. E são à prova de ministro."

Só Agora!

Iniciação


Encontro de limites
primeiro
são para saíres
da náusea dimensão!

Procura em ti
verás que não és
aqueles
que por ti pensam!

Em breve acharás os
que somos
quem nada tem
que querer de ti?

Por aí se revelarão,
fraternos
no instante dos teu
olhar, intemporal!...

(SA, Ini 1, 3)

JRC

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Quando a abstenção vence, vence o quê?

Quanto não vale a pena ouvir = ler as pequenas (passo a imodéstia) lições de "Pedrito", daquela "escolita" JN: Eis mais uma deste

Pedro S. Guerreiro
Lisboa é uma cidade acelerada, Capital com ambições de cosmopolitismo mas ciclópica no seu centralismo; tem mais actividade política e económica que qualquer outra paragem portuguesa; é a mais rica e tributada das regiões; aí circulam 8,1 milhões de turistas por ano, com 12 milhões a aterrar na Portela; há meio milhão de automóveis em trânsito por dia e 235 milhões de passageiros nos autocarros públicos por ano.
Pois nesta cidade grande, à volta da qual gravitam 2,1 milhões de pessoas; onde, dessas, vivem 556 mil; onde votam 532 mil eleitores; onde há doze candidatos a uma Câmara Municipal aprisionada por gravíssimos problemas financeiros; nesta cidade foi ontem eleito um líder. Por cerca de 60 mil pessoas.

É um resultado miserável. Se fosse um referendo, não era vinculativo e nada decidia, por falta de representatividade. Que representatividade tem então o sufrágio deste fim-de-semana? E como é possível que haja quem grite "vitória"?

A vitória foi da abstenção. O que significa que derrotados estamos todos. Só uma cidade sem esperança volta tão nitidamente as costas às urnas.

A elevadíssima abstenção nas eleições de ontem em Lisboa terá várias explicações. Em dia de chuviscos, a praia nem foi uma delas, mas o mês de férias sim. O pouco ambicioso conteúdo e a extensão da campanha será outra razão. E o ambíguo significado que estes resultados eleitorais em Lisboa podem ter na avaliação do Governo não é esclarecedor. Tudo isto poderá ser mais ou menos analisado. E mesmo detectados os "responsáveis", começando pelos próprios candidatos e abrindo um parêntesis para os juízes do Tribunal Constitucional, que adiaram o sufrágio duas semanas para dar tempo para a recolha de assinaturas (quando podiam ter mantido a data de 1 de Julho e prolongado o tempo para a entrega das assinaturas).

Mas nada disto tapa o essencial. Uma abstenção tão elevada não pode se não ser entendida como uma prova de falta de crença nas pessoas e nos projectos a votos. De duas uma: ou os eleitores não se mobilizaram por desmotivação e isso é um sinal amarelo ao sistema; ou, semáforo encarnado, eles mobilizaram-se motivados por uma expressão espontânea e silenciosa de reprovação não ao sistema mas aos políticos que por lá andam.

Esses mesmos políticos franzirão agora graves sobrolhos de preocupação. Mas a coisa passa-lhes rapidamente. Pedir reflexão aos partidos sobre estes resultados é inútil. A tendência vem de longe e, tirando os rescaldos eleitorais, mais ninguém se lembra que, tirando a expressiva votação em Cavaco Silva (que foi eleito com o voto de 2,7 milhões de portugueses), os nossos deputados e muitos presidentes de câmaras foram eleitos por percentagens que escondem números relativamente baixos de votantes. Rui Rio, por exemplo, venceu as eleições à segunda maior cidade do País à frente de uma coligação que teve... 63 mil votos.

António Costa ganhou as eleições mas não ganhou uma cidade. A única vantagem que tem é que as expectativas são baixas - e é mais fácil surpreender quando se espera pouco do que cumprir grandes desígnios. Mas até lá, talvez se deva pensar em expandir os meios de votação à Internet. Mas sobretudo perceber que, como acontece na economia, quando a "procura" não compra um produto é porque a "oferta" não satisfaz as necessidades. O problema é sempre da oferta. Dos partidos. Dos políticos. Dos governantes. Das oposições. E da democracia.”

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Lições sobre este "Tempo Que Passa"

Veio-me à ideia a figura axiológica da humildade.

E, segundo creio tratar-se, até, de um conterrâneo vimarânico, não lhe encontrarei (não só por isso, mas também, entre ainda outras razões, pelo facto de lhe serem historicamente reconhecidos méritos antifascistas), grandes dificuldades em assumir a tal humildade positiva (a tal que não é, nunca, pobreza de espírito ou de estado de alma para ninguém), pois por certo terá sido esse um dos pilares da educação social que recebeu naquela sua arquétipa urbe natal.

E, porque eu também sei o que significa a fundacional vimaranidade, reconheço que, muitos mais que o Dr. Alberto Martins, tanto dentro como, e muito, fora do seu grupo partidário, deverão ler esta magnífica lição, apresentada pelo aqui meu mui citado mestre de Ciência Política JAM. E, mesmo pela sua amplitude, não me coíbo de a tanscrever aqui, no PUBLICISTA, na íntegra:

Recordações de democracia para os democratas que ainda têm a humildade de aprender lições de democracia

Assisti ao debate parlamentar sobre os sucessivos sinais de deriva pouco democrática, onde toda a oposição se uniu contra um PS que apenas declarou não receber lições de democracia de ninguém, como aqui previ com as letras todas. O discurso do PS foi proferido por Alberto Martins que nunca foi histórico de um partido a que aderiu, tarde, embora a boas horas. O do PSD por Zita Seabra, também chegada ao partido de Sá Carneiro ainda mais tarde e também a boas horas. O melhor discurso foi o da coragem de Manuel Alegre, o eterno poeta dissidente que, mais uma vez, praticou a liberdade de que continua a ser a voz, mais autêntica do que a dos ventríloquos e porta-vozes dos sistemas que perderam o sonho e a ideia de obra.


Valia a pena que o PS estudasse, com toda a humildade, algumas lições de democracia sobre o spoil system, o sistema dos troféus, correspondente ao sistema norte-americano de nomeação de novas equipas, depois da eleição de um presidente, um modelo instituído por Andrew Jackson no primeiro quartel do século XIX.

Max Weber definia-o como a atribuição de todos os postos da administração federal ao séquito do candidato presidencial vitorioso, salientando que, a partir de então, surgiu um novo esquema de partido, entendido como simples organização de caçadores de cargos, sem convicção alguma.

Com António Guterres, o spoil system passou a ser traduzido em português por jobs for the boys, antes de Durão Barroso o volver em boys for the jobs. E terá sido com base nesta experiência que Bailey considerou a política como um jogo onde os competidores actuam numa arena visando a conquista de troféus.


O que levou ao aparecimento, no modelo norte-americano, do boss, do empresário político capitalista que procura votos em benefício próprio, sem ter uma doutrina e sem professar qualquer espécie de princípios. Um político profissional típico que trata de atacar os outsiders que lhe podem ameaçar os futuros rendimentos, isto é o futuro poder.

A degenerescência em causa pode tornar-se numa rotina, a que até podemos dar o belo nome de flexissegurança, constituindo mais uma das novidades reformistas do socratismo, nascida dos nortenhos pioneirismos da DREN-Margarida Moreira e das reformas à moda do Minho do deputado Gonçalves, para não falarmos de outras voltas em Alcobaça, contra o blogue de Balbino Caldeira, com as consequentes caixas de esgoto daquela espiral de teorias policiescas da conspiração e dos seus irmãos-inimigos da perspectiva da cabala anti-situacionista. Veremos quem será depedido no final de um jogo que até pode ir de vitória em vitória até a uma derrota final que poderá ser mais encurtada no tempo.


Sou obrigado a recordar ao senhor deputado Alberto Martins parcelas de uma carta aberta que, para ele emiti, no começo do guterrismo: que "só pode haver uma democracia autêntica quando nela existir uma parcela de direita em dialéctica com uma parcela de esquerda, a tal base indispensável para o pluralismo que permite a alternância e garante o necessário controlo do poder.

Aliás, a existência de uma direita e de uma esquerda, enquanto posições relativas a um certo tempo e a um certo espaço, só são possíveis numa democracia pluralista e numa sociedade aberta, dado que, nas degenerescências da usurpação, do despotismo, da tirania, da ditadura e do totalitarismo, os usurpadores, os déspotas, os tiranos, os ditadores e os agentes do totalitarismo, venham de anteriores posições de direita ou de esquerda, assumem-se, precisamente, contra a existência das parcelas, das partes, das faccções ou do partidos, proclamando, quase sempre, que, depois deles, deixou de existir a direita e a esquerda. Todas as degenerescências antidemocráticas tendem, com efeito para a monocracia, vício que também costuma marcar os vanguardismos e os cesarimos, sempre satisfeitos com as votações dos 98% e dos 99% que, na maior parte dos casos, não são votações mas rituais litúrgicos de consagração do monolitismo.


Entre nós, o Doutor Salazar, que não veio da esquerda, que não era democrata, que proibiu os partidos e que nos governou, primeiro, em ditadura e, depois, em autoritarismo, pode ter sido genial, mas seria anacrónico considerarmos que a direita e a esquerda das nossas presentes circunstâncias estão condenadas a ser, respectivamente, salazaristas ou antisalazaristas.

O totalitarismo nazi era tão nacionalista quanto o jacobinismo esquerdista da Revolução Francesa e tão socialista quanto todos os socialismos. O totalitarismo fascista de Mussolini foi gerado por um antigo militante socialista, marcado pela memória messiânica do republicanismo maçónico de Mazzini. O totalitarismo comunista de Estaline e de Mao, esses sim, vieram mesmo da esquerda. Todos, contudo, se irmanaram na abolição da esquerda e da direita, proibindo, prendendo e assassinando os opositores. Entre todos eles, venha o diabo e escolha!


Perguntar a um direitista se ele denunciou o autoritarismo salazarista é tão insignificante quanto perguntar a um actual deputado socialista se ele denunciou, na altura certa, o estalinismo, o maoísmo ou o sovietismo vigente até 1989. O Dr. Mário Soares, que chegou a ter juvenis apoios ao estalinismo, foi um dos nossos melhores professores de democracia. Da mesma forma, só um vesgo de espírito pode negar a envergadura libertacionista de Sá Carneiro, apenas porque este foi deputado independente nas listas do partido único do regime da Constituição de 1933.

Contra o nazismo e o fascismo, ergueram-se muitos esquerdistas, mas seria injusto esquecermos que alguns dos mais eficazes opositores a essa barbárie quase demoníaca vieram da direita conservadora, à maneira de um tal Winston Churchill ou de um tal Charles de Gaulle, tal como eram da direita, e conservadores, os principais membros da resistência alemã a Adolfo Hitler, com destaque para o chamado círculo de Kreisau. Da mesma forma, houve muitos socialistas e homens de esquerda que tiveram a triste sina do colaboracionismo com o nazi-fascismo, como foi flagrante na França de Vichy, com Laval e outros mais que, depois, hão-se ser heróis da esquerda mais recente.


Aliás, em Portugal, talvez importe recordar que o líder do 28 de Maio, Gomes da Costa, era um antigo militante do partido radical e que alguns dos históricos opositores ao salazarismo eram tão direitistas quanto Paiva Couceiro e tão católicos quanto Lino Neto, para não falarmos das origens retintamente fascistas de Humberto Delgado e da marca direitistas de alguns dos mais distintos apoiantes da respectiva candidatura, onde passsaram monárquicos como Rolão Preto, Vieira de Almeida ou Luís de Almeida Braga, um pouco à imagem e semelhança daqueles miguelistas que se irmanaram com os setembristas na Maria da Fonte e na Patuleia, contra a degenerescência cabralista.

Ninguém pode esquecer a presença direitista nas revoltas da Mealhada e da Sé, e, nas próprias origens conspirativas do 25 de Abril, há uma ampla coalisão, onde não faltam oficiais monárquicos, conservadores e direitistas, reflectindo as razões que levaram os próprios Congressos Republicanos de Aveiro a terem passado a Congressos da Oposição Democrática, num movimento onde homens como Francisco Sousa Tavares, Gonçalo Ribeiro Telles ou Henrique Barrilaro Ruas, não podem ser esquecidos.


O mais importante talvez não esteja nestas viagens retroactivas pelo Ancien Régime, mas antes na circunstância da reconstrução pós-revolucionária da democracia, desencadeada a partir do 25 de Novembro de 1975, ter sido obra tanto da esquerda como da direita. Se a partir de então retomámos as senda da democracia prometida em Abril de 1974, tal só foi possível porque a força de Ramalho Eanes, Jaime Neves e Melo Antunes foi mais forte que o vanguardismo da esquerda revolucionária, dos comunistas e dos otelistas político-militares, permitindo o respeito pelo voto livre de 25 de Abril de 1975 e pelos anseios manifestados pelos manifestantes da Alameda e das muitas outras alamedas dos católicos que, a partir de Aveiro e de Braga, geraram a primeira revolução de veludo da chamada terceira vaga da democracia, conforme Samuel P. Huntington, onde Mário Soares não foi Keresnki e Ramalho Eanes se assumiu como o anti-Totski e o anti-Lenine.


Como membro da tribo político-cultural de direita, como antigo militante e dirigente de um dos partidos nucleares do arco constitucional do actual regime democrático, gostaria de declarar a Vª Exª que esta democracia é também obra da minha tribo, desses sociais-democratas não marxistas, desses democratas-cristãos, desses liberais, desses conservadores e desses direitistas, entre os quais estão alguns honrados membros do actual governo, que, em Abril de 1975, votaram contra os comunistas e o esquerdismo vanguardista do PREC, que apoiaram Ramalho Eanes e que fundaram a AD, com o PSD, o CDS, o PPM e os antigos socialistas do grupo dos reformadores, onde, ao que parece, circulavam nomes como Medeiros Ferreira, António Barreto e Francisco Sousa Tavares, não esquecendo a adesão ao sá-carneirismo da poetista Natália Correia.

Isto é, muita gente da tribo político-cultural da direita chegou bem mais depressa à democracia prática que muitos proclamados democratas da democracia vanguardista que pensam que o antifascismo de há mais de vinte e cinco anos tem de ser superior à livre manifestação da vontade popular através do efectivo sufrágio universal, como o temos praticado desde 25 de Abril de 1975.


A democracia vive-se e pratica-se. Aprende-se, fazendo-a, sujando as mãos nos compromissos com as circunstâncias do Estado de Direito. Os que apoiaram as figuras simbólicas de Sá Carneiro, Amaro da Costa e Francisco Sousa Tavares, para falar apenas nos ausentes sempre presentes do regime que temos, não precisam de pedir certificados de democrata a outros democratas com outras histórias, que talvez não tenham votado PS, PPD, CDS ou PPM em 25 de Abril de 1975, nem Eanes nas primeiras presidenciais. O democratas da democracia pluralista não precisam de pedir certificados de democrata a certos antifascistas de antanho que, depois da democracia restaurada, tentaram impor um novo totalitarismo, prendendo e matando os que não tinham o perfil dos manuais terroristas do antifascismo, para não falarmos nos grandes latrocínios da chamada Reforma Agrária e das nacionalizações decretadas nas noites posteriores ao 11 de Março, quando algumas vozes do vanguardismo chegaram a propor a restauração da pena de morte que, em 1852 e 1867, foi abolida pela direita liberal, conservadora e monárquica da regeneração. Um assassino que seja antifascista ou anticomunista não deixa de ser assassino. Um ladrão que se diga democrata, não deixa de ser um ladrão.

Um antigo apoiante do salazarismo pode ser, hoje, tão democrata quanto um antigo apoiante do estalinismo ou do maoísmo. Já tivemos antigos ministros do Estado Novo como ministros e deputados do partido de Vª Exª, bem como antigos marxistas-leninistas, incluindo estalinistas e maoístas, em governos de direita, e ainda bem!

Aqui ao lado, em Espanha, foi o rei imposto por Franco que salvou a actual democracia espanhola e ninguém, por lá, duvida do fundacionismo democrático de antigos falangistas, como Dionisio Ridruejo, de antigos direitistas da CEDA ou do homem do aparelho franquista Adolfo Suárez. Ninguém em França duvida do socialismo de Miterrand, apesar do seu passado colaboracionista com Vichy ou dos seus juvenis elogios a Salazar. Os certificados de democrata medem-se pelos serviços prestados à democracia. Confundir defensores da democracia com simples antifascistas, pode ser confundir o trigo da seara democrática com muito joio de má memória. Basta recordar que muitas das vítimas do terrorismo antifascista são precisamente antifascistas e esquerdistas. Os mais recentes alvos humanos do terrorismo da ETA eram destacados socialistas e não empedernidos franquistas. Os primeiros ataques do PREC contra a liberdade em Portugal tiveram como alvo o jornal símbolo do antifascismo lusitano, A República, órgão do socialismo e da maçonaria, quando o novo antifascismo chamava fascista a Mário Soares.

O actual regime político português, que Vª Exª serve, se deve a Mário Soares o facto deste não ter repetido os vícios dos republicanos de antes do 28 de Maio, muito também deve à circunstância de Sá Carneiro e da Aliança Democrática, depois de Eanes e do 25 de Novembro, terem dado à democracia que vamos vivendo o apoio sociológico daquela direita que, felizmente, constitui cerca de metade do país. Sem esse apoio eleitoral nunca Vª Exª poderia ter sido deputado do PS. Sem essa resistência anticomunista nunca os ex-comunistas da Plataforma de Esquerda poderiam ascender a membros do actual governo e da actual bancada parlamentar da nova maioria, aceitando-se uma reconversão que, na maioria dos casos, aconteceu depois de Gorbatchov e da queda do muro de Berlim.

Quando pessoas como o senhor deputado Alberto Martins ingressam na classe política democrática, depois de muitas memórias, como o Maio de 68, algum vanguardismo neo-iluminista e certas ilusões otelistas, a democracia fica mais forte e mesmo os adversários da outra tribo agradecem poder praticar-se aquela essência da democracia que é o diálogo com o adversário, como assinalava Ortega y Gasset.

Gostaria que a tribo político-cultural da direita e a tribo político-cultural da esquerda caminhassem cada vez mais para o centro, isto é, que se opusessem entre si, mas firmando os lugares-comuns daqueles valores essenciais das coisas que todos devemos amar e sem as quais não é possível uma comunidade política, que é sempre uma comunidade de significações partilhadas. Toda a dissolução dessas coisas que se amam, como a pátria, a liberdade e a democracia, dessas ideias pelas quais vale a pena morrer, contribui para que a coisa pública se depublicize e se corrompa. E quando falha a res publica, falha a communio e falha o consensus juris. Isto é, não há democracia sem comunidade nem Estado de Direito, onde os nomes da igualdade e da justiça coincidem".

Etiquetas: alberto martins, bailey, democracia, jobs for the boys, socratismo, spoil system, weber

(PS: Para o meu filho Manuel, neste dia de hoje, que é seu aniversário, este presente em espírito! Um abraço do Pai, estejas onde estiveres, nessa Ilha de encantos celtas.)

domingo, 8 de julho de 2007

Sobre a "bizarria" dos esquemas mediocráticos

Então como é que o Poder político vai controlar os media? Ou estaremos perante mais uma figura utópica de que, num Estado de Direito (...?) Democrático (...???...), não há controle dos media? E se há, como se concretizará essa mediocracia discreta? Através de editais públicos?
Enfim, eis mais esta peça escrita por um dos articulistas do JNegócios, a tal "escola" ...
" Balsemão ataca Governo
Os media têm que “renunciar a esquemas bizarros de controlo pelo poder político”
Pinto Balsemão fez ontem um discurso bastante critico à intervenção do Governo e do ministro Augusto Santos Silva no sector dos media. Para o presidente da Impresa, os media têm que renunciar a “esquemas bizarros e antiquados de controlo pelo poder político”.
Nuno Carregueiro
nc@mediafin.pt

No jantar da Confederação Portuguesa de Meios para a Comunicação Social, que decorreu ontem à noite, Balsemão afirmou que "o que me preocupa é o facto de o Governo, a maioria parlamentar do PS e, em particular, o ministro responsável pela área da comunicação social não compreenderem - ou não quererem compreender - o que está em jogo".

O presidente da Impresa que os novos desenvolvimentos no sector dos media obriga a "modificar o conceito de regulação, a aligeirar a intervenção dos reguladores".

E para o sector dos media encontrar uma solução vencedora para enfrentar o novo cenário, "envolve abertura, visão estratégica, capacidade de trabalhar em conjunto, bem como compreensão pelos mecanismos libertadores da sociedade civil, entre os quais a auto-regulação e a consequente renúncia a esquemas bizarros e antiquados de controlo pelo poder político".

No seu discurso Pinto Balsemão acusa ministro da tutela dos media de criar novas leis para controlar os media, dizendo mesmo que "a fúria legislativa não pára".

"O Governo propõe e o Parlamento aprova regulamentações para todos os gostos, e controlos rígidos, que vão desde a formação do capital das empresas, à programação das televisões, a quem pode e não pode ser director de um jornal, aos estatutos editoriais, aos códigos de conduta jornalística, aos livros de estilo, e aos próprios conteúdos, constantemente monitorizados por uma Entidade Reguladora à qual as sucessivas leis concedem poderes acrescidos", refere.

"Longe vão os tempos do Plano Tecnológico e da lufada de ar fresco que ele parecia querer introduzir", acrescenta.

"Pelo contrário, é flagrante e constante a insistência governamental em proibir, travar, limitar, burocratizar, impedir a adaptação e o aproveitamento, pelas empresas e pelos profissionais, da revolução em curso, da inovação constante, em matéria de informação, de entretenimento, de criatividade, de distribuição de conteúdos, de direitos de autor, de publicidade, etc..", acusa, acrescentando que "peça a peça, o cerco vai-se completando".

E diz que o Governo não está preocupado com esta estratégia do cerco. "A competitividade de um sector tão crucial como o dos media não é minimamente importante. O que interessa é burocratizar, espartilhar, controlar, cortando cerce as aspirações de convergência multimédia, de crescimento, de internacionalização que qualquer empresa de media deve ter, num mundo em acelerada mutação, em especial as privadas que não vivem do dinheiro dos contribuintes", refere.

Acerca da criação da Entidade Reguladora para a Comunicações Social (ERC), Pinto Balsemão diz que "por este caminho, ainda chegaremos ao extremo de haver quem apresente previamente os conteúdos à ERC, com medo das coimas, prisões, etc"

"Se, afinal, a estratégia do cerco não for apenas uma aflitiva falta de visão, mas um opção ideológica ou, o que é pior, uma mera tentativa organizada de controlo dos media, a questão é efectivamente muito grave. Uma democracia não funciona, não existe sem meios de comunicação social livres, ou seja, não orientados, não vigiados, não controlados", acrescentou Balsemão.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Eu bem digo que este Jornal é uma grande Escola

Ter "bolinhas pretas" já foi sinónimo de prestígio! ... (?)
Bem me pareceu ter ouvido um sinal de estrondo quando, um dia destes, esperando por um Professor nos corredores de uma instituição de ensino superior, onde decorria uma reunião do Conselho Científico em que ele participava, alguém disse NÃO! E toda a Instituição ouviu aquele esfarrapar de porta! A quê? Porquê? Parece que agora, publicamente, alguém veio dizer algo sobre o assunto (a não ser os posts algo inconvenientes de meu mui citado mestre JAM).
Trata-se, então, de mais esta 'bicada' do Jornal de Negócios, pela pena dessa sua autora que é a Luisa Bessa:
"Bolas pretas nas universidades
Não é só a bolsa que está ao rubro. O ambiente também está quente nas universidades. Só não há grandes manifestações de rua porque os estudantes estão sem aulas e a braços com exames. O debate que está em curso sobre o Regime Jurídico para as Instituições do Ensino Superior, que ontem foi discutido na Assembleia da República, é do maior interesse para o País, pois está em questão o modelo de governo das instituições do ensino superior.

É o princípio do fim da Lei da Autonomia, que rege as universidades há quase 20 anos, e que se foi responsável pelo desenvolvimento do ensino superior em Portugal (basta ver que em 2005 se formaram 1.177 doutorados, mais do que os 770 de toda a década de 70 e mais de metade dos que saíram nos 80) também se transformou, nos últimos anos, em parte do problema.

Os estudantes criticam a proposta do Governo porque vão perder peso nos órgãos de gestão, assim como o corpo de funcionários. Mas a grande contestação vem mesmo dos reitores.

O que quer Mariano Gago que desagrada tanto a quem dirige as universidades? Há vários aspectos, como a mudança do processo de eleição do reitor, que passa a poder ser recrutado fora da universidade, mas o que tem originado a maior oposição é a possibilidade de algumas faculdades ou centros de investigação se transformarem em fundações de direito privado, autonomizando-se das universidades a que pertencem.

Os reitores temem o desmembramento das suas universidades, que podem ficar esvaziadas das unidades mais dinâmicas, com melhor qualidade científica e maior nível de receitas próprias, que são precisamente as que podem cumprir os requisitos exigidos pelo modelo fundacional. Mas o único argumento que parece razoável na sua argumentação é o risco de se criarem instituições sem massa crítica, num momento em que a tendência vai precisamente no sentido inverso.

Na essência, a proposta aponta no sentido certo: distinguir quem é diferente e estabelecer uma cultura de mérito que tanto falta no ensino português, como aponta o economista Luís Cabral, na entrevista que pode ler nesta edição do Jornal de Negócios.

Os reitores até podem ter razão na crítica à pressa de Mariano Gago em forçar a aprovação da lei e à sua falta de disponibilidade para envolver todos os agentes num modelo que nunca poderá ser completamente consensual, sob pena de não mudar nada. Mas toda a sua argumentação fica fragilizada perante um caso como o chumbo de Saldanha Sanches nas provas de agregação para professor Catedrático na Faculdade de Direito de Lisboa.

Se Saldanha Sanches tivesse sido chumbado, assumindo os membros do júri o seu sentido de voto, nada haveria a dizer. Divergências de opinião entre académicos fazem parte da vida e não pode haver progressão académica sem avaliação. O mesmo não se aplica ao recurso ao método cobarde das bolas pretas.

Esta pequena história é a demonstração de que a universidade precisa de mudar. A instituição que é o berço do conhecimento não pode ficar refém dos piores vícios da sociedade portuguesa e ser um obstáculo à inovação, como tem acontecido. Tudo o resto acaba por ser acessório.
Retirado do J. de Negócios

terça-feira, 26 de junho de 2007

Leonard Cohen

Também eu tinha os meus 16 anos quando ouvi, pela 1ª vez, L. Cohen, talvez do "Songs From a Room" (Story of Isaac ou You Know Who I Am), e marcaram a detecção da minha carência por algo que, psico-socialmente, me 'anestesiasse' e seduzisse. Passaram muitos anos, depois daqueles tripantes anos 71/ 72, passando por Paris, Caen, Isle of Man, Bruxelas e, qual Xangri La, a querida e reminiscente Amsterdam. De regresso a Lisboa, o sonho torna-se, mais uma vez, fantasia ou pesadelo, mesmo passando pelas ilusórias esperanças da 'revolução' (?) abrilista, em 74.



E porque integro este autor na "Musicologia da Libertação"? De entre as várias e múltiplas razões (estéticas: da sua música, pelo sincronismo revolucionário, explícito e implícito, dos seus poemas; personalistas: pela transposição corajosamente assumida, mas serena e transparente, das suas interpretações das contingências existênciais para as suas composições, literárias e musicais; etc.), encontrei este texto na WEB sobre o autor, que me parece sintetizar o mais importante dele:

"O mundo precisa de amor, ok? Humm, entre outras coisas, pode ser que sim, pode ser que não. Na verdade, o mundo precisa tomar vergonha na cara, assumir seus erros, deixar de choramingar pelos cantos, acreditar em um futuro melhor, e parar de reclamar enquanto este futuro não se transforma em realidade. E ouvir Leonard Cohen. Ele não é o mais feliz dos caras que já pisaram no Planeta Terra (na verdade, ele deve estar nos últimos lugares da fila, se preparando para apagar o luz quando a Terra dizer adeus para o resto do espaço), mas sabe falar de amor, se apaixonar, reclamar e sofrer com uma dignidade rara em tempos de relacionamentos politicamente corretos.

Quando decidiu ser cantor, em 1967, Leonard Cohen já vinha de uma elogiada carreira como poeta. Ao se lançar no mundo pop com folk songs que exalavam amor e ódio, Cohen abria um território novo para a literatura, e esta iniciação se deu, principalmente, com a trilogia de álbuns que chega agora, remasterizada, ao mercado, visando comemorar os 40 anos do primeiro disco do poeta canadense. "Songs of Leonard Cohen" (1967), "Songs From a Room" (1969) e "Songs of Love and Hate" (1971) trazem tudo o que você precisa ouvir de Leonard Cohen, não desmerecendo a discografia posterior, que deve ser redescoberta após essa apresentação inicial.

A história toda começa com o quase best of "Songs of Leonard Cohen", álbum que traz canções emblemáticas como "Suzanne", "Sisters of Mercy", "So Long, Marianne" e "Hey, That's No Way To Say Goodbye". Cohen canta de forma jovial nesta estréia, modo que ele iria abandonar nos álbuns posteriores em favorecimento de um modelo grave de cantar. A tristeza está presente, mas o encantamento é notável desde os primeiros acordes de "Suzanne", canção que narra a paixão real do poeta por uma mulher casada, até seu encerramento, com "One of Us Cannot Be Wrong", que traz o personagem da letra exibindo seu coração a um doutor, que prescreve o nome da amada como cura para todo seu sofrimento. Nesta reedição, duas bônus das mesmas sessões do álbum: "Store Room" e "Blessed Is The Memory", que ao contrário das dez faixas do disco, essencialmente acústicas, trazem bateria, guitarra e órgão hammond.

"Songs From a Room" inicia o processo de rendição ao desespero que se concluirá (e persistirá aqui e acolá na obra musical do bardo) com o álbum seguinte, "Songs Of Love and Hate". A produção dos dois álbuns, a cargo de Bob Johnston, torna o som mais grandioso com o acréscimo de cordas, contrabaixo, guitarra e efeitos. Cohen praticamente se esconde na capa de "Songs From a Room", que traz faixas luminosas como "Bird on the Wire", "The Butcher", "The Partisan" e "Tonight Will Be Fine". Como bônus dessa edição, demos de "Bird on the Wire" (sem as cordas) e "You Know Who I Am", que nada acrescentam a obra, mas servem como curiosidade em um belíssimo álbum que funciona como ponte de ligação entre o acanhado compositor da estréia e o dramático interprete que surge no álbum seguinte.

O fundo do poço coheniano encontra-se no poderoso "Songs Of Love and Hate". A voz cavernosa do poeta se faz notar logo na faixa de abertura, "Avalanche" (não a toa, regravada por Nick Cave), cuja letra diz: "Você que deseja conquistar a dor, deve aprender o que me faz amável / as migalhas do amor que você me oferece, são as migalhas que eu deixei atrás / sua dor não é nenhuma credencial aqui, é apenas a sombra, sombra de minha ferida". "Dress Rehearsal Rag" aparece em sua versão original, do ano anterior, inferior a oficial presente em "Songs Of Love and Hate". Já "Famous Blues Raincoat" (uma das cinco músicas preferidas de Ian McCulloch, Echo and The Bunnymen, em todos os tempos) exibe o caráter pessoal do disco: o poeta termina a letra assinando "Sinceramente, L. Cohen". Há aqui – mais do que nos dois álbuns anteriores – uma ironia que brilha tanto quanto a dor (seja na capa, que traz um Cohen barbudo e rindo abaixo do título "Canções de Amor e Ódio"; seja nas letras, como na brincadeira dos versos de "Love Calls You By Your Name").

Além de boa música, nestes três álbuns que chegam remasterizados às lojas, a poesia de Leonard Cohen (hoje com 72 anos) ganha um acompanhamento especial: letras (ou poesias, como queira, leitor) desenhos de próprio punho e fotos de época selecionadas pelo próprio poeta. E um texto ilustrativo, que analisa a produção de cada um dos três discos, assinado por Anthony DeCurtis, editor da Rolling Stone americana. "Songs of Leonard Cohen", "Songs From a Room" e "Songs of Love and Hate" servem para explicar a devoção de gente como Michael Stipe (R.E.M.), Bono (U2), Jarvis Cocker (Pulp), Nick Cave, Morrissey, Ian McCulloch, Renato Russo (que gravou uma versão de "Hey, That's No Way To Say Goodbye", registrada no CD póstumo "O Último Solo") e Jeff Buckley a este homem. O mundo precisa de amor, ok. Mas de ódio também. Não sejamos cínicos. Ou melhor: sejamos. Leonard Cohen viu o futuro, leitor: é violento. Preste muita atenção nesse homem, e olhe dos dois lados quando for atravessar a rua.

No entanto, ainda naquela procura dei de caras com outras observações, também elucidativas de outros aspectos desta personalidade singular:

"Leonard Cohen tinha 15 anos quando conheceu um imigrante espanhol que lhe ensinou através dos sons de um violão, a conquistar o coração das mulheres. Esse professor suicidou-se semanas depois ensinando a derradeira lição ao jovem Cohen. Algum tempo depois, Leonard tocava nos Buckskin Boys e escrevia poemas.
(…)
Leonard Cohen não é um cantor de fácil assimilação às primeiras audições. As canções de Cohen são drogas pesadas, dopantes. A sua voz, monocórdica, e o instrumental, sem ornatos, não colaboram a princípio. Mas para quem se dispuser a enfrentar o estranhamento inicial, a colheita será abundante. Talvez, valha dizer que gente como Michael Stipe, Bono, Nick Cave e Frank Black sejam fãs confessos. Ian McCulloch, em entrevista ao S&Y, por exemplo, colocou uma canção de Cohen na sua listinha de cinco preferidas de todos os tempos e confessou, em outra entrevista, tremer ao se imaginar conversando com o bardo."

(Nos lista do finetune da barra lateral poderá ouvir alguns dos trechos referidos do autor)

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Algumas espontâneas honestidades em dia de greve alegadamente geral!

Reparo nalgumas das notícias que me vão chegando à caixa de correio e noutras das parangonas da mediocracia destes 'brandos costumes'.

Duas delas me chamaram a atenção:
1. A juventude com ares de grande maturidade expressa com alguma pública coragem por este 'menino com coração de oiro' (ai se o SLB tivesse o dinheiro do Manchester FC!?):

«(...) "Sei o meu valor. No Manchester irei realizar o mesmo trabalho que desenvolvi no FC Porto e se possível ainda melhor, porque quero dar expressão ao sonho. Quero que tudo dê certo. Estou preparado para tudo. A motivação é muita. E depois, o facto de ir jogar na mesma equipa desse grande jogador que é o Cristiano Ronaldo, assim como o Rooney e tantos outros, e ser treinador por Alex Ferguson é algo que só conseguia imaginar e que agora vou poder concretizar. O que posso dizer? É um sonho do tamanho do Mundo", concluiu Anderson.»

2. A doutoral 'aula' de Economia Social de mais este "biqueiro" do Jornal de Negócios, que não me inibo nem me coíbo de aqui a transcrever:

"Os novos luditas
Leonel Moura

São cada vez mais frequentes os discursos contra as novas tecnologias. Não é novidade histórica pois sempre se reagiu à inovação. A mudança causa sempre perturbações e terrores. Acima de tudo naturalmente nos sectores mais conservadores e instalados mas por vezes também nas vanguardas culturais e políticas.

Basta pensar nos luditas, esse importante movimento social do século XIX que se bateu contra a introdução no sector dos têxteis da nova maquinaria criada pela revolução industrial. Além da argumentação política e reivindicativa os luditas dedicavam-se igualmente à destruição das máquinas que viam como ameaça ao seu modo de existência. E tinham alguma razão. Qualquer nova tecnologia representa invariavelmente o extermínio das tecnologias que lhe antecederam. Quem não se lembra ainda das "velhas" máquinas de escrever tornadas subitamente obsoletas com o aparecimento do computador? E quantas fábricas destas máquinas e suas componentes faliram criando instabilidade social e desemprego? Além dos benefícios, as inovações geram com frequência vastas crises sociais, já que o tempo de implementação das tecnologias é frequentemente mais veloz do que o tempo de adaptação dos homens a elas.

Portanto, que estes processos têm o seu lado negativo é uma evidência. Não se pode alterar irremediavelmente modos de vida e a própria percepção que temos das coisas e do mundo sem sofrer alguma dramáticas consequências. Mas é preciso distinguir a usual resistência ao novo, dos argumentos críticos inteligentes e sérios que em si mesmo ajudam à evolução.

Um novo tipo de ludismo prolifera, afectando tanto direita quanto esquerda, umas vezes por medo de liberdade, outros em pretensa defesa de direitos, costumes e memórias do que já não existe. Não há por exemplo dia que passe que não se ouça falar dos perigos da Internet, principalmente para as crianças, da denúncia dos jogos violentos, do Second Life, afinal uma evolução "natural" do virtual e do VRML, ou da dependência telemóvel dos adolescentes. Em particular a muita gente continua a meter medo a existência de um espaço de grande liberdade, como a Internet, onde cada um pode colocar as suas ideias, opiniões e também naturalmente fantasias e perversões. E neste último caso sempre é melhor exibi-las do que escondê-las, para que se conheçam e possam tratar social e clinicamente. Outros não vêem nos avanços tecnológicos mais do que as garras do capitalismo que a todos querem vender a moto, como escreveu Ignacio Ramonet e de passagem controlar consciências e destinos.

A outro nível, mais relevante, surgem os medos das máquinas e da inteligência artificial e ainda mais fortemente as questões éticas sobre a vida e a morte ou os perigos da manipulação genética com o reavivar desse sempre eterno projecto de eugenia. É aliás neste domínio que a controvérsia é maior e nem sempre a melhor, já que frequentemente contaminada por crenças, fantasmas e muita ignorância.

A evolução do humano não é obra exclusiva da natureza. Com a cultura e a capacidade de transmitir conhecimentos de geração em geração o humano é também um produto evolutivo de si próprio. Isso permitiu-lhe, por exemplo, adaptar-se a condições ambientais extremas para as quais a sua pele natural não está preparada. Mas hoje essa ampliação das capacidades herdadas, no fenótipo, o corpo e no genótipo, os genes, encontra-se em franca expansão e é objecto de poderosos meios de investimento e investigação. São as múltiplas próteses que se vão agarrando ao nosso corpo, as drogas que melhoram a performance, a engenharia vária que nos prolonga a vida já a rondar o centenário. E a própria inteligência que se acelera com a ajuda de engenhos por nós criados. Hoje um homem e o seu computador constituem juntos uma tremenda máquina sinergética de raciocínio e criatividade. Amanhã um homem estimulado e acompanhado por um robot inteligente fará coisas que por si só nunca seria capaz.

Os luditas de hoje atacam a Internet e temem todas as inovações, da genética à robótica. Têm alguma razão no sentido em que assistem impotentes a transformações que provocam instabilidade e insegurança geral. Mas mais uma vez falham o alvo, porque a evolução humana e tecnológica não podem parar e muito menos simplesmente rebentando dois ou três infelizes computadores."

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Heresia? Parece, mas ... não é!

Apenas mais uma daquele Sr. Pina

Não é, não, depois de mais uma edição do "Politilendo" em que se falou do ocultismo da Igreja! É tão só mais uma evocação de marcas (talvez apenas isso?) que nos modelam, eventualmente de forma irremediável, algumas das nossas capacidades fundamenais como ser humanos! Mas, a traduzir o resultado dos ganhos sociais que o conhecimento progressivo vai provocando (ou racionalizando a dinâmica cultural, para referir esta definição do Mischa Titiev 1), estamos perante uma autêntica revolução na "Revelação" da Fé!

Mais uma vez, a Igreja! E eu que também tenho reminiscências do meu 'céu', apreendido no catecismo da minha infância! Muito participativamente! Acólito e tudo! E depois? Depois foi Lisboa e o Liceu D. João de Castro! E a "musicologia da libertação"! E o MAEESL de 71 e 72! E Amesterdão, Krishna, Buda e o Corão! E depois sou Eu! Então?

"O Além mais "simplex"


A "simplexificação" chegou ao Além. A Igreja acaba de desactivar o limbo, morada das almas das crianças não baptizadas, mortas sem terem tido tempo de cometer pecado mortal nem de se redimirem da culpa de terem nascido. Aos 10 ou 11 anos, eu imaginava o limbo como morada também das almas dos animais (como podia eu admitir que a minha afectuosa gata "Gira" não tivesse alma e o meu professor de Matemática tivesse?) e, tendo-me alguém convencido de que a Igreja só teria concedido alma às mulheres a partir do Concílio de Trento (teriam então Santa Cecília, Santa Ágata ou Santa Genoveva, perguntava-me eu, sido santificadas sem possuírem alma?), que seria também esse o destino das suas "proto-almas", ou lá o que mulheres teriam até essa data no lugar da alma. O limbo dava-me um jeito enorme para arrumar as almas puras que escapavam às severas regras de acesso ao Paraíso que me ensinavam na catequese. Agora a Igreja concluiu que o limbo reflectia, afinal, "uma visão excessivamente restritiva da salvação" e decidiu extingui-lo e transferir administrativamente as almas excedentárias para o Paraíso. Mesmo sem ser teólogo, eu sempre soube, porém, que as almas das crianças e as dos animais, como diz o Corão, "estão reunidas junto do Senhor" (Corão, 6, 38)."

Retirado da "Última" do JN de 2 de Maio
(1) TITIEV, Mischa, Introdução à Antropologia Cultural, Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª ed., Lisboa, 1985, pp. 163 e ss.

sábado, 12 de maio de 2007

Tempos pródigos

Estou mais uma vez em Lisboa, neste baixo de astral que, sintomaticamente, reagiu bem à passagem pela região de Fátima, esse pacífico lugar de elevação dos espíritos ao Céu (com Maria ou, mesmo, para os que com Ela não convivem. Se não na ideia, há sempre lugar para a comunhão do espírito, pois ... vale bem a pena, "quando a alma não é pequena"!)
É neste contexto de evocação anímica, a puxar para a efeméride que marca um dos 'cantos' mais profundos da nossa cultura (mariana), que gostaria de exortar a sublime sensação de bem-estar que pode causar este trecho musical, bem ao gosto e dentro da aura que neste momento centenas de milhar de pessoas estarão a viver lá para aqueles lados de ... Fátima!

Neste mês que é

do coração

da Mãe

das flores

de Vénus

de Adriano

da chuva abençada

do recomeço da vida!

da Mãe Natureza!

Obrigado


Ave Maria (Schubert)


sexta-feira, 11 de maio de 2007

Vergonhas nacionais?

Ora digam lá se não estamos perante duas grandes vergonhas nacionais! E se não têm nada a ver uma com a outra! Não me admira que, assim, já tenha ouvido praguejar e mandar a democracia deste país das bananas à merda!
São mais duas tiradas de outros sítios, certamente já catalogados no index das maldições ou excomunhões! A julgar pela persistência das críticas, os respectivos autores ainda serão indexados como hereges do politicamente correcto!
Ao mesmo tempo que, segundo números da Comissão Europeia, o poder de compra dos trabalhadores portugueses registou, em 2006, a maior descida dos últimos 22 anos, a CMVM anunciou que, entre 2000 e 2005, os vencimentos dos administradores das empresas cotadas em bolsa duplicaram (e nas empresas do PSI 20 mais que triplicaram!). Isto é, enquanto pagam aos seus trabalhadores dos mais baixos salários da Europa a 25 (e todos os dias reclamam, sob a batuta do governador do Banco de Portugal, por "contenção salarial" e "flexibilidade"), esses administradores duplicam, ou mais que triplicam, os próprios vencimentos, vampirizando os accionistas e metendo ao bolso qualquer coisa como 23,9% (!) dos lucros das empresas. Recorde-se que o Estado é accionista maioritário ou de referência em muitas dessas empresas, como a GALP, a EDP, a AdP, a REN ou a PT, cujas administrações albergam "boys" e "girls" vindos directamente da política partidária (cada um atribuindo-se a si mesmo, em média, 3,5 milhões de euros por ano!). Se isto não é um ultraje, talvez os governos que elegemos (e o actual é, presumivelmente, socialista) nos possam explicar o que é um ultraje. O mais certo, porém, é que se calem e continuem a pedir "sacrifícios" aos portugueses. A que portugueses?»
Luísa Bessa
"De onde vem todo este dinheiro?" é a pergunta que perpassa, de modo quase obsessivo, o filme de Nani Moretti sobre Silvio Berlusconi. A pergunta fica no ar mas, a dada altura, o dinheiro cai, literalmente, sobre a cabeça do futuro primeiro-ministro italiano.

A imagem ocorre a propósito do comendador Joe Berardo, que partilha com Berlusconi alguns atributos. Um deles é a opacidade sobre a origem da sua fortuna. O outro é a atracção pelo negócio dos media, a que Berardo também sucumbiu mas que entretanto vendeu, com as habituais mais-valias. Num ponto não coincidem: enquanto Berlusconi se virou para a política, o comendador preferiu ser "mecenas" de arte moderna.

Berardo já passou por várias fases. Já comprou empresas, que entretanto passou a gerir, e depois vendeu. Foi o que fez nos jornais, por exemplo. Mais recentemente concentrou-se nos investimentos em bolsa, em algumas das "blue chips" nacionais, onde tem aplicados mais de 600 milhões de euros. Mas não perdeu o gosto pelas incursões hostis, que ele sabe que acabarão por ser dinheiro em caixa. Que o digam João Rendeiro, que o teve como sócio nas águas Frize, ou a família Guedes, que com ele convive agora numa sociedade "holding" de controle da Sogrape.

Ganhar dinheiro não é pecado. Pecado pode ser a forma como se ganha dinheiro. Ora como Joe Berardo – o homem que se veste sempre de preto sem que se saiba porquê, como consta na sua biografia na Wikipedia – só é discreto no vestuário, o seu comportamento dá muito nas vistas e chamou as atenções do "polícia" do mercado.

Que passou a estar atento ao ciclo das suas declarações de que está numa determinada empresa para ficar, para vender a seguir na primeira oportunidade. A questão é demonstrar se as declarações de Berardo representam uma manipulação do mercado, contribuindo objectivamente para fazer subir as cotações, de que vai tirar proveito mais tarde.

É matéria de difícil ou quase impossível prova, mas lá que existe um padrão nas intevenções do comendador, lá isso existe. E quando existem demasiadas coincidências, há razões para desconfiar.

O "modus operandi" de Joe Berardo pode não ter nada de ilegítimo. Não é crime ser especulador financeiro. E se Berardo usa a comunicação social para passar a sua mensagem, a comunicação social também o usa a ele para bater a concorrência, vender jornais ou tempo de antena.

A verdade é que o sucesso do comendador suscita invejas e o seu estilo predador deixa um rasto de inimigos. Como não nasceu em berço de ouro e cultiva um estilo controverso, Berardo é um alvo fácil de maledicência.

Também discutível é o veículo que utiliza para o investimento em bolsa. Ao fazê-lo através da sua fundação, reconhecida como instituição de solidariedade social, Berardo tem direito a um conjunto de benefícios fiscais, nomeadamente à isenção de impostos sobre mais-valias, condicionada à sua aplicação na própria fundação. Mas como não há ninguém que fiscalize a forma como os dinheiros são aplicados, a situação configura uma espécie de paraíso fiscal.Que o Governo – este e todos os outros que o antecederam, pelo menos desde António Guterres – pactue com esta situação, sem clarificar o regime legal das fundações, só não é motivo de escândalo porque já nada escandaliza neste país à beira mar plantado.»

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Kant tem de ser revisitado! "Pela Santa Liberdade"!

Depois de ler mais uma desabafante 'bicada' de mestre JAM, veio-me à ideia mais uma efeméride que Pedrito, 'el niño' terrível do Jornal de Negócios, evocou com mais uma das suas tiradas de mestria crítica.
É caso para revisitarmos o conceito kantiano de liberdade! Como o Homem poderia ter à sua frente infinitas oportunidades de ... construir a sua felicidade e não atrapalhar a dos outros! Será que nos manuais escolares não deveria desenvolver-se o aprofundamento das consciências dos nossos jovens para o consumerismo? E será que isso chega? Como deverá ser esse processo avaliado? Como os testes? De que tipo? Dentro de que objectivos específicos? Ou teremos uma melhoruia do sistema de ensino apenas a olhar para a qualificação profissional? Porque é que consumerismo (ou a educação para comportamentos de consumo racional e sustentável) não faz parte do discurso do Sr. Presidente da República?
"A revolta do consumidor

Pedro S. Guerreiro
psg@mediafin.pt


É proibido fumar em locais fechados. É proibido fazer publicidade a bebidas alcoólicas. É proibido conduzir velozmente. É proibido vender hambúrgueres hipercalóricos. É proibido fazer publicidade a chocolates. É proibido comprar diamantes africanos.

Está a imaginar um mundo assim? Ele existe. E hoje é o dia em que se celebram os habitantes desse mundo. Hoje é o Dia do Consumidor.

A proibição de fumo está vulgarizada e a ComissãoEuropeia já deu aval à prática de excluir fumadores nos recrutamentos em empresas. Em Espanha, uma ministra fundamentalista quer proibir a publicidade de bebidas alcoólicas em folhetos de supermercado, onde as garrafas devem passar a ficar trancadas à chave atrás de vitrinas.

A mesma ministra abriu guerra à Burger King e quer proibir a cadeia de vender o seu novo hambúrguer de 800 calorias. As velocidades máximas autorizadas nas cidades europeias têm vindo sucessivamente a baixar: 60 kms, 55 kms, 50 kms... O presidente da Masterfoods anunciou a retirada da publicidade dos chocolates Mars de todos os meios que tenham audiência junto de menores de 12 anos.

O filme "Blood Diamonds" gerou uma chuva de protestos da indústria diamantífera por mostrar diamantes com sangue de gente explorada por mercenários.

Todos estes exemplos foram dados há uma semana por José Luis Nueño, no Fórum anual da APED, no Estoril. Nueño, um académico-jurista-consultor espanhol, diz que esta paranóia proibicionista viola as liberdades civis mas instalou-se na Europa do cinismo e da impotência dos políticos. O resultado, diz, será a revolta dos consumidores, que têm o direito de comer comida que lhes faz mal desde que estejam informados disso. Mesmo que a maioria dos europeus se acomode, balindo como carneiros num rebanho. O resultado, prossegue, é uma legião de europeus contidos, infelizes na sua opção (?) de viver em lares monofamiliares e sem crianças. O europeu é um consumidor infeliz que busca experiências de pico, transgressões sociais de velocidade, desportos radicais e violências que por um fim-de-semana distraiam as frustrações individuais.

Esta é uma visão apocalíptica da nossa sociedade, que defende ao limite a liberdade individual. Do outro lado estão os que supõem que o indivíduo precisa de protecção das mensagens de marketing massivo e enganador das marcas de comida-lixo, das tabaqueiras, das destilarias.

O Dia do Consumidor é como quase todos os outros dias de qualquer coisa: serve para fingirmos que nos preocupamos. Hoje é um desses dias: para políticos, patrões, trabalhadores e desempregados fingirem que se preocupam com os consumidores. Mas, além de declarações de circunstância, é importante perceber que o consumidor está entalado entre uma indústria de produtores e distribuidores que quer vender abundâncias e uma indústria do politicamente correcto e socialmente puritana que exige proibições. E há negócio em ambas as indústrias.

O consumidor é hoje dissecado por hordas de cientistas que analisam tendências, padrões, fragilidades, moralismos.

As crianças mandam nos pais, as mulheres têm um poder crescente, os produtos orgânicos estão na moda, os veículos poluentes não, há um contra-movimento emergente, o anti-consumismo, e a Internet é um meio de extraordinária difusão.

Não é como "Fahrenheit 451", de Truffaut, o filme onde os livros eram proibidos. Mas estamos de facto entre liberdades infinitas e proibições sucessivas. E, claro, a hipoteca da casa."
(O destacado a vermelho é da autoria do Publicista).

domingo, 6 de maio de 2007

Mais uma do 'Pedrito' de ... Jornal de Negócios

Vejo-me novamente face a mais uma tirada que poderia muito bem constituir uma aula de comunicacionalogia (ou, mais axiologicamente, de deontologia comunicacional institucionalizada). Daquele Pedrito que já nos habituou ao seu "mau génio" ... aquilo deve ser de família, que ele parece mais um dos que, como eu, estão rotulados de inconveniente ...!
Ora vejam lá se entendem porque é que eu gosto de relançar aqui estas do tal "menino maravilha" (é-o para mim) do J Negócos:
«A ceia do Cardeal
Justificação oficial: foram "os contactos na alta finança e alta política" que levaram à nomeação de Pina Moura pela Prisa em Portugal. É preciso dizer mais?
É preciso dizer mais do que disse ontem o patrão de Pina Moura? Manuel Polanco foi cristalino: que não, que não é por ser do PS (nem pelos méritos enquanto gestor de "media" – ao menos pouparam-nos a essa hipocrisia) que Pina Moura vai ser presidente da Media Capital e da TVI. É pelo seu poder de lóbi.

Que "contactos na alta política" tem Joaquim Pina Moura que possam aprouver à Prisa? Basta olhar para o seu "curriculum vitae" e concluir o silogismo: no PS. Que por acaso é o partido que está no Governo, com uma maioria absoluta na Assembleia da República. Que por acaso é tão socialista como o partido espanhol com que a Prisa está alinhada. Que por acaso vai decidir o futuro dos "media" em Portugal, em aspectos fulcrais como o concurso da Televisão Digital Terrestre (TDT), que assenta como uma luva na necessidade da Media Capital viabilizar um elefante chamado RETI.

A reacção de repúdio peninsular pela contratação de Pina Moura (que só José Sócrates acha normal) não tem nada a ver com o rótulo de "pesetero" que se quis colar na farpela do ex-ministro da Economia quando aceitou ser presidente da Iberdrola, a quem tinha viabilizado parcerias em Portugal enquanto governante. E invocar a condição de "amigo dos espanhóis" é não só preconceituoso como menoriza a questão em causa: a Prisa olha para o seu Cardeal como Maquiavel olhava para o seu Príncipe – os fins justificam os meios. Pina Moura é o meio entre as ambições e o seu sucesso.

Os "media" não estão num sector qualquer. São jornalismo, são negócio e são poder. Em Portugal, há uma mudança empresarial acelerada em todos os grupos, que dentro de poucos anos estarão irreconhecíveis. Por causa da Televisão Digital Terrestre, por causa da guerra pelo controlo da PT Multimedia, por causa da própria OPA da Prisa sobre a Media Capital, por causa dos novos canais cabo, por causa das plataformas digitais...

É verdade, ademais, que em Espanha o sector dos "media" é muito diferente do de Portugal. Porque é muito melhor gerido. Mas também porque a independência editorial é um conceito muito mais relativo. Os jornais portugueses são meninos de coro ao pé dos seus congéneres espanhóis. Lá, como enaltece Pina Moura, há um alinhamento ideológico explícito. Basta ver, por exemplo, a recente guerra quase diária sobre as verdadeiras razões para o envolvimento espanhol na invasão do Iraque.

Essa guerra não é só entre o PP e o PSOE; é entre o "El Mundo" e o "El País". Mesmo na imprensa económica espanhola se reconhecem alinhamentos, sobretudo empresariais.

Pina Moura diz que todos os jornais são alinhados, só que os espanhóis são mais transparentes e os portugueses sonsos. Este é um bom sinal sobre como actuará este gestor de "media". Mas Pina Moura está enganado. O Jornal de Negócios, por exemplo, tem um alinhamento claro, disponível no seu "site". Chama-se Estatuto Editorial. E por mais que custe perceber a quem vem da política, esse alinhamento não é partidário. É pela liberdade dos mercados sobre os interesses de grupos organizados, o comércio sobre qualquer proteccionismo. E pela igualdade nas condições de acesso a mercados e a negócios, acima portanto da "alta política". Ou da baixa...

Em breve saberemos se estes alertas são teorias de conspiração ou complexos de perseguição. Veremos quem ganhará o concurso para a TDT. Ou como termina a redistribuição de poderes com a PT Multimedia e os novos canais cabo. Saberemos então perfeitamente para que quer Manuel Polanco os "contactos na alta política" de Pina Moura: para ganhar.»

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Este não é o "bailinho da Madeira"

Ainda a confirmar que as afirmações insinuosas, ofensivas e atentadoras à integridade do Estado (a gravidade está na origem de onde vêm), merecem toda a atenção mediática (fora do âmbito eleitoral, claro está), vem mais esta de um dos meus 'publicistas' preferidos de hoje, mesmo que nem sempre esteja do lado das suas opiniões. Mas isso é ... secundário! Ou, se preferirmos, democraticamente primário!

"Lavar as mãos

Quando anunciou as eleições na Madeira, o presidente da República alertou Jardim que o Governo Regional ficava "limitado à prática de actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos da região", apelando (porque já sabia o que a casa gasta) a que a campanha decorresse com "serenidade e elevação". Jardim, como seria de esperar, ignorou tudo isso. "Actos estritamente necessários"? Está bem abelha Jardim faz inaugurações e re-inaugurações à média de duas por dia, usa sem pejo meios do Governo na campanha, fala (na verdade grita) nos comícios como governante e no governo como candidato, e tudo o mais de que os jornais têm dado amplamente conta. "Serenidade e elevação"? Jardim responde com a "elevação" habitual: agressões, ameaças, arruaças e insultos a tudo e todos (o mínimo que os adversários são é "traidores", "fascistas", "pides", "Hitler", "bandalhos", "bandidos"). A situação chegou a tal ponto que a Oposição pediu a intervenção do presidente. E o que fez Cavaco? Lavou as mãos. A Democracia (pois é a Democracia que está em causa na Madeira) que se amanhe e vá ter com os "órgãos competentes". Cavaco devia saber, da memória que ficou de um certo governador da Judeia, que não basta lavar as mãos para as ter limpas."

Retirado da "Última" do JN de Hoje

terça-feira, 1 de maio de 2007

The Windows of the World

Se na presente conjuntura (nacional e internacional) há um dia que deve ser lembrado em colectiva manifestação contestatária é este, dia 1º de Maio, dito há já 120 anos em todo o Mundo, do trabalhador, tal é o estado a que esta fundamental condição social nos tem conduzido!
E, porque hoje está chovendo ... talvez seja Deus, poeticamente, a querer rimar lágrimas de chuva com tristeza, quando deveria haver sol e alegria! O que não me permite evitar, com qualquer das volitivas células da minha consciência, a pública recomendação ao Governo que nos desgoverna, deste lindíssimo trecho dos anos 60, composto por Burt Bacharach e Hal David, supremamente interpretado por Isaac Hayes numa gravação ao vivo no lago Tahoe, no Nevada (álbum editado em 1973), aqui interpretado por Dionne Warwick - The Windows of the World.
Mais uma vez aconselho a traduzir a letra numa versão que não seja 'em calão', sob pena de alguns politicómanos saloizarentos pensarem que se trata de algum ritual da chuva. Nese sentido, convém atender à conjuntura internacional da época. (Para os mais interessados sugere-se uma pesquisa que se consubstancie em algo um pouco mais profundo que 'uma página A4').




DIONNE WARWICK lyrics

sábado, 28 de abril de 2007

Como um extenso hino de queixas

Ainda em rescaldo deste 33º aniversário do 25 de Abril
Mesmo com direito a transmissão a espectáculo TV q.b., vem o nosso PM berrar em defesa da saúde da 'nossa' (?) democracia, bem "oxigenada", ao contrário da "falta de ar" da oposição, mancha luso-partidária de largo espectro no republicano centrão parlamentar, de cujo actual líder viriam, replicadamente, as teatrais exibições de uma "coragem" que não admitia lições de "Sua Exª o Sr. PM".
Entretanto, levanta-se PP, como uma voz midiocraticamente conhecida pelo agendamento da propaganda, mas já inaudita da parte dextra do hemiciclo, em tons de estética e indumentária novecentista com tiques de fidalguia, a prometer a 'vigilância' que as alegadas ministeriais proposituras mereceriam por parte de tão casta bancada.
Da esquerda, nada de novo. Certamente muitos ainda esperam por aquilo que não gostam de ver atribuidos, apenas, à "família" da direita.
E as nomeações continuam. E o controle aumenta. A opressão também. E a degradação do nível de vida exponencialmente também. Sem qualidade nem dó. Em total impunidade. A paranóia colectiva é o diagnóstico que se segue. Sem apelo nem agravo. Até quando
E, lá fora, nas ruas deste país de bananas importadas, com selo de garantia CE, ainda crescem as ameaças contínuas à base social (as famílias), e por isso há décadas que se ouvem os gritos deste fenómeno pandémico:





KING CRIMSON lyrics

quarta-feira, 25 de abril de 2007

"Amai-vos uns aos outros como eu vos amei!"

Sem fetichismos! Nem ironia, hipócrita ou não! Apenas um acumular de reminiscências que a comemoração desta data me traz, numa altura em que se viviam vidas com as emoções em perfeita comunhão com a inteligibilidade das sensações. Ou seja, desejava-se viver segundo aquilo em que se acreditava, como eu sou daqueles que ainda acredita, que o amor é o domínio da perfeita harmonia da razão com o coração!
Sem rancores pelo reiterado gande desgosto que a evolução sem visíveis progressos sociais tem causado a muitos dos jovens de então que, como eu, também sofreram na vida com o combate que travaram por uma sociedade mais justa e fraterna, este ano não escolho trecho do José Afonso (de quem viriam certamente uns quantos muito bons) ou de outro Zeca de qualquer esquerditice ciumeira (pois há-os muitos por aí para quem José Afonso é o ícone dos pobres e injustiçados, e de mais ninguém, em regime de propriedade privada da esquerda e não como expoente da cultura popular portuguesa do século XX).
Não. Há muito que não vou por aí, apesar de compreender que, cada vez mais, as razões de muitos os leve a permanecer em tão nebulosa pasmaceira melancólico-cerebral, com as ideias em aparente estado de catatonia. Prefiro a manifestação artística da música que me evoque a natural paixão e o desejo de me entregar a algo intemporal, existencialmente conducente à contemplação do que a razão humana tem assimilado como o mais sublime da Criação: o ser humano!
Esperando que este 33º aniversário não signifique, portanto, a idade em que, de vez, se liquidem as aspirações ao verdadeiro progresso sócio-humano do povo português (que Cristo não sirva para esse fetichismo), deixo no ar o estímulo que, em muitos da minha geração, este trecho musical constituiu na busca da felicidade:




SLEDGE PERCY lyrics